Cachupa Cizé

Cachupa de pé descalço nascida nos sonhos da ilha do Mindelo, uma das mais mestiçadas do oceano Atlantico, cresceu cantando mornas em tabernas de marinheiros. Passeou a sua graça nos palcos dos Olympus de Lisboa, Paris e muitos mais, ficando conhecida como a Rainha da Morna. A menina Cesária Évora cresceu e continua cantando nos sonhos tropicais da Sodade.
Numa loja chinesa encontrei um empregado brasileiro, perdão era um cabo verdiano, no corredor das louças e a conversa tropeçou num tacho e desfez-se em feijoadas e cachupas. Ele também era do Mindelo e falou-me das cachupas da sua familia. Nada a ver com estas por aí disse-me. Fazem-se com o que se arranja, com peixe ou carne, um milho, um grão, ou feijão para dar encosto na barriguinha e tudo o resto que se goste e se possa comprar, para celebrar e comer em familia com amigos e muita musica e estórias. Coisa para demorar um dia inteiro e para se re-cozinhar e fazer a cachupa velha para a semana.
Liguei o youtube e fui escutar o concerto da Cizé “Live d’Amor” no Rex de Paris. Liguei o carro fui às compras escutando, pianos, violinos, guitarras, batuques, ferrinhos,
cavaquinhos e a Cizé.
Regressado entrei na cozinha e continuei escutando. Pensei em cozinhar descalço, mas na véspera tinha partido um copo, dança-se na mesma mas de chinelas dois dias mais tarde, pois que o feijão congo, a carne de vaca seca e a cabeça de porco fumada precisam de demolhar-se.
Atrevimento ? Sim ! E porque não ? Vejamos se corre bem ?
Chegou o dia ! São 06H37 ! Já fazem 16 graus e a luz dourada rasante já brilha. Os boletins metereológicos prometem muito calor, 26 ou 27, céu limpo e nada de vento, coisa rara neste oeste atlântico. No Mindelo estarão agora 23 com alguma brisa mas terão boas abertas com 25-26, diz o yhoo yhoo weather.
Arruma-se a casa que mais tarde ficará desarrumada outra vez mas menos, se não deixar acumular as desordens e esquecimentos de ontem com as que virão hoje..
Convidei-os para chegarem pelo meio dia para pronto começarem as conversas, abrirem-se os apetites e as sedes com as conversas que só se fazem de calções e chinelas ao som da música.
Ontem à noite já deixei tudo quase cozido. Hoje ferve-se mais 15 minutos apura-se e serve-se, quase sem trabalho nenhum, como se fosse-mos comer fora. Na verdade este vai ser um dia fora de casa, no quintal e ao sol, se não surgirem os nevoeiros locais, surpresas da época.
Ainda vou fazer umas tiras de choco frito para um bom amigo, que me esforço por reeducar a degustar mais gourmet mente, torrar um caju cru com piri piri e alho para entrada e fazer um arroz mulato para acompanhar a cachupa.
Ligo o youtube para os Tubarões e para o Dino de Santiago que esta semana ganhou muitos prémios do Play.
Et voilá (esta expressão muito francesa não tem competência para anunciar o bem que sabe) uma cachupa cheia de molhenga espessa e quase pantanosa onde se afogam os ingredientes variados e pesados:
1/2 kilo de feijão congo seco
1/2 kilo de milho cru amarelo (também pode ser branco)
3 cenouras às rodelas
1/2 kilo de abóbora
1/2 couve roxa
2 dedos de gengibre branco e gengibre amarelo
1/4 cabeça de porco fumada
1/2 kilo de carne seca de vaca
1 Chispe de porco com osso (o osso fica para o cão nos deixar comer em paz)
1 coxa de peru desossada com os músculos separados e cortados transversalmente
1 chouriça negra
Óleo de milho e de palma, calda de tomate, calda de pimentão, massa de alho, louro, um bom picante e água da torneira.
Meia de arroz carolino com meia de arroz preto, louro e uma colher de óleo de palma e quatro meias de água da torneira (juntei 3 folhas de manjericão).
Sem refogados cozer as carnes 30 minutos à pressão.
Na mesma água cozer o milho, feijão, legumes e tudo o mais apartados da carne por meia hora à pressão.
No fim juntar tudo e dar mais 5 minutos de fervura de tampa aberta.
No dia da festa aquecer e deixar ferver 15 minutos.
Cozer o arroz.
Para se servir pedir ajuda para pôr na mesa uma panela de 6 litros ainda a borbulhar.
O feijão congo ainda está rijinho comparado com o milho mais macio e levemente adocicado, a abóbora e a couve roxa desapareceram e espessaram a molhenga, as cenouras resistiram e a par com as carnes de vaca salgadinha e rija, de peru fibrosa e tenra, da cabeça de porco com cartilagens mastigáveis, saltitam de garfada em garfada na surpresa de um caldo grosso e picante. O arroz mulato soltinho ajuda a encontrar terra firme no pântano da cachupa e a fazer a digestão já mais facilitada com os gengibres.

A acompanhar bebam, “bebam água”, mas em opção, de todo não um vinho leve com sofisticados aromas e frescuras citrinas ou centigradas.
Foi como esperava. Um dia completo que só terminou quando o fresquinho do mar chegou antes do anoitecer. Das conversas, das graças, das anedotas e das memórias cada um guarda a sua.
Ainda ficou como esperado, cachupa para a semana próxima se fazer cachupa velha e cachupa para o congelador.
A dieta ficará para mais tarde,
Inté...